domingo, 20 de setembro de 2015

Na cabeça de um poliglota

Vida de poliglota é assim, uma mistura de línguas na cabeça, facilidade de aprender novas línguas (uma ajuda a outra), e associações que só você entende.

Estudar a primeira língua estrangeira é fácil. Todas as palavras novas que você aprende só podem ser dessa outra língua. Você vira bilingue e consegue distinguir a sua língua materna da 2ª língua sem problemas e a transição de uma para a outra é moleza. Se não é português, então só pode ser inglês.

Como você foi bem sucedido na primeira vez, decide estudar outra língua. Mas aí começam a surgir as dúvidas e as confusões, porque afinal qualquer palavra diferente da sua língua materna é em qual língua mesmo? Você lê "il" e pensa em "ele", porque em francês é assim, il = ele. Mas agora ao ler "il" tem que traduzir para "o", porque agora você decidiu estudar italiano. E "il" agora no seu novo vocabulário significa "o". Assim na sua mente IL = ele/o. 

Você sai na rua e escuta o som "ó-u", então pensa na palavra "tudo" (all) porque em inglês o som "óu" significa "tudo", mas agora você está estudando holandês e o som "óu" (al) significa "já". E na sua cabeça fica ÓU = tudo/já. E você começa a dizer frases como: "eu gosto meus livros", pensando que está dizendo "eu gosto de todos os meus livros". 

Ou quando você quer contar a um amigo que vai à aula de patinete (port). Não, quis dizer trottinette (fr), ah não, desculpe, é steppen (holandês), ah não droga, estamos falando em inglês. Alguém sabe como é patinete em inglês? 

E então você não sabe mais se plural é com 's' (fr) ou com 'en' (holandês) ou com 'i' (italiano). Mas você aprende as línguas novas e começa a separá-las na cabeça. Vai conversar em francês? Pera! Feche os olhos, pense em uma palavra em francês... Voilà, você faz o switch para mode français, et maintenant tu parles français...

E então você se depara com o maior problema dos poliglotas. Você adquiriu um enorme vocabulário em todas as línguas novas. E sabe aquela palavra exata que exprime e-x-a-t-a-m-e-n-t-e o que você está sentido. Por exemplo "saudades". Não é exatamente a mesma palavra que "to miss" (ing) ou "manquer" (fr). É saudades a palavra que você quer usar, ela tem uma força diferente... Mas como está no universo do francês, não pode usar aquela palavra em português porque o outro não vai entender (ou não vai captar a força do seu significado). E então você entende que não importa quantas palavras exatas você conhece, expressar-se será sempre um desafio.

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